Por que essa penitenciaria é rosa?
Conheça o caso das celas cor-de-rosa dos EUA e o que a Neuroarquitetura e a Psicologia Ambiental tem haver com isso
O tema do texto dessa semana foi um pedido da seguidora Alice Brito. Um abraço Alice!☺️
Imagine que você foi para a cadeia por ter cometidos crimes violentos. Na penitenciaria a barra é pesadíssima, tem tantas pessoas violentas quanto você. Todos os dias ocorrem brigas e os prisioneiros se atacam toda hora, a enfermaria está sempre cheia e as funerárias nunca ficam sem clientes. Até que você escuta o boato que os diretores da cadeia vão fazer uma intervenção com o objetivo de mudar esse cenário e tornar aquela prisão menos violenta. Você duvida que as coisas mudariam muito, mas imagina o que eles estão tramando. Logo depois, você e todos os prisioneiros são temporariamente transferidos para que a penitenciária passe por uma reforma e quando você volta se depara com corredores e selas pintadas do piso ao teto de… rosa?



Bem foi isso que aconteceu na prisão da Marinha americana em Seatle, no ano de 1979. Mas nossa história começa bem antes, na década de 1960, com o psicoterapeuta Max Lüscher. Lüscher foi um psicoterapeuta suíço, que se especializou em psiquiatria, psicologia e filosofia. Seu trabalho era voltado para o diagnóstico, mais especificamente, o uso de cores para o diagnóstico psicológico. A principio, Lüscher utilizava cores para classificar a personalidade de seus pacientes: a cada sessão, o psicoterapeuta mostrava 8 cartas de cores diferentes para os seus pacientes e pedia para que escolhessem uma. Ao observar que a cada sessão parte dos pacientes escolhiam cores diferentes, Luscher concluiu que essa escolha estava associada a um estado mental e afetivo, ou seja, ao humor do paciente no dia do encontro e não a sua personalidade. Com base nisso, Max Lüscher, em parceria com Alexander Schauss, começaram a pesquisar os impactos que as cores poderiam ter na emoção humana. Eles procuravam entender como as cores poderiam refletir o estado emocional de uma maneira universal e padronizada e se era possível que as cores pudessem induzir estados fisiológicos capazes de modificar comportamentos. Ambos descobriram que um determinado tom de rosa parecia ser capaz de causar mudanças fisiológicas nos batimentos cardíacos, na pressão e na respiração, como se essa cor conseguisse induzir calma e tranquilidade. Então, Schauss produziu uma tinta com o tal tom de rosa que, segundo ele, poderia reduzir a força física e as tendências agressivas e a batizou de ‘‘Rosa Baker-Miller’’ em homenagem a dois de seus colegas de experimento, os oficiais da Marinha Gene Baker e Ron Miller. Baker e Miller ficaram tão impressionados com as descobertas de Schauss que pintaram as celas de detenção de sua base naval neste tom de rosa. Eles elogiaram os resultados e como o rosa pacificou os detentos. A intervenção rosada começou a fazer sucesso e Baker-Miller se tornou tendência em unidades psiquiátricas e outras unidades de aprisionamento. Os zeladores relataram detentos mais quietos e menos abusos físicos e verbais.
Isso parece muito bom, não é? Uma maneira fácil e relativamente barata de resolver a violência em instituições. No entanto, alguns anos depois, Schauss decidiu repetir os experimentos e descobriu que o Baker-Miller Pink não estava tendo os efeitos esperados. Após realizar um teste em uma cela rosa de verdade, ele não notou nenhuma diferença no comportamento dos detentos e chegou a temer que a cor pudesse torná-los mais violentos. Trinta anos depois, o psicólogo Oliver Genschow e seus colegas repetiram os experimentos de Schauss. Eles realizaram um experimento rigoroso para verificar se o rosa Baker-Miller reduzia o comportamento agressivo em detentos em uma cela de centro de detenção e assim como no trabalho posterior de Schauss, eles não encontraram evidências de que a cor reduzisse a agressividade. A saga das prisões ruborizadas poderia ter acabado aqui, mas em 2011 Daniela Späth, uma psicóloga suíça, aplicou um rosa de autoria própria nas paredes de 10 prisões suíças, sobre a hipótese que sua tinta rosa, a qual nomeou como “Cool Down Pink”.
Supostamente, depois de quatro anos de pesquisa, os carcereiros teriam relatado menos agressividade em prisioneiros. Späth alegou que os detentos conseguiam relaxar com mais facilidade e por isso sugere que escolas, unidades psiquiátricas e áreas de segurança podem se beneficiar do Cool Down Pink. Apesar dos administradores e funcionários estarem felizes com o resultados os prisioneiros não ficaram nem um pouco satisfeitos e alguns teriam alegado que era humilhante estarem presos em um ‘‘quarto de menina”.
Então é possível questionar a validade dessas intervenções: o tom de rosa é capaz de induzir um estado de calma nas pessoas? Inicialmente parece que sim, mas seus efeitos não são duradouros, seja pela habituação a esse estimulo, seja por causar um sentimento vergonha na população carceraria que pode se revoltar posteriormente. Segundo Dominique Grisard, pesquisadora de estudos de gênero, as paredes rosadas estão sendo projetadas para humilhar os presos do sexo masculino e isso pode ter um efeito oposto ao esperado ou se provar ineficiente, como os estudos posteriores de Schauss demonstraram. Além do mais, é possível inferir que a própria alegação que o rosa — que é uma cor associada ao feminino— é intrinsicamente capaz de reduzir a agressividade masculina é sexista por si só.
Esse é um dos inúmeros casos de estudo sobre como o comportamento humano pode ser moldado dependendo do local onde ele esteja. Eu imagino que você não se comporte em todos os lugares da mesma forma. Creio eu, que você não se comporte em seu trabalho como se estivesse em casa e suas maneiras em um ambiente religioso não seja o mesmo que em uma mesa de bar. A questão é: nós nos comportamos dessa forma por escolha ou o ambiente nos comunica como devemos nos comportar? Bom essa é uma das áreas de estudo da Psicologia Ambiental, que é a área cujo o foco de investigação é a inter-relação do ambiente físico com a conduta e as experiências humanas além de buscar compreender as inter-relações entre o indivíduo e seu ambiente físico e social, nas suas dimensões espaciais e temporais. O ambiente é uma construção daquele que o percebe, incluindo-se a dimensão cultural nessa relação, em que é feita a análise das percepções, comportamentos e atitudes dos indivíduos com o contexto físico e social no qual esses convivem. Ela é primordial no planejamento de cidades e espaços públicos, considerando a segurança, a mobilidade, a interação social e a qualidade de vida dos cidadãos.
Mas se você se questiona como o ambiente físico, iluminação, cores, sons, texturas e disposição dos elementos em um espaço afetam o comportamento humano por meios sensoriais, então estamos falando da Neuroarquitetura, que é uma área consideravelmente nova que busca ser interdisciplinar, aplicando os princípios da neurociência ao projeto de ambientes construídos, buscando entender como o espaço físico influencia as ações e emoções humanas. O objetivo é o de que os espaços sejam construídos visando otimizar os objetivos daquele espaço e enfraquecer os efeitos adversos. Por exemplo: numa escola esperasse que os estudantes aprendam da melhor maneira possível, então é necessária a criação de ambientes que estimulem a aprendizagem de maneira saudável e diminuam ao máximo as distrações dos alunos.
Eu imagino que você notou que essas áreas soam, parecem e de fato são muito parecidas. Mas vamos resumir que a Neuroarquitetura foca no ambiente físico e nas percepções causadas por ele e Psicologia Ambiental também, mas esta procura entender as relações dos indivíduos com aquele ambiente no âmbito individual, social e cultural. Um exemplo de como elas atuam são as Igrejas Católicas.


Não sei qual foi a última vez que você entrou em uma catedral mas da próxima vez que o fizer preste atenção nesse detalhe. No momento em que você passa pelas portas se sente compelido a baixar o seu tom de voz. Por que? Segundo a Neuroarquitetura a explicação é que a construção das catedrais privilegia a propagação da voz. Devemos nos lembrar que a maioria dessas construções precedem a tecnologia de som, então era necessário aproveitar ao máximo da acústica do ambiente. O padre precisava que sua voz alcançasse o máximo de pessoas dentro da construção e por isso era preciso que sua voz fosse potencializada pela estrutura. Em contra partida, se uma pessoa está falando enquanto entra, sua voz também será projetada, mas ela, diferente do padre, não está tentando chamar a atenção — pelo menos não na maioria das vezes — e a percepção de que você está falando muito alto desnecessariamente faz com que progressivamente diminua seu tom de voz. Isso é uma resposta involuntária do nosso cérebro se adequando aquele ambiente. A Psicologia Ambiental vai explicar que, como culturalmente associamos aquele lugar como sagrado — e isso independente se sejamos católicos ou não — nós aprendemos que temos que estar mais ‘‘comportados’’ lá dentro. O ambiente nos comunica essa necessidade de ficarmos quietos quando entramos e diminuímos nosso tom de voz e isso contribui para o silêncio dentro das paróquias mesmo que não esteja acontecendo um evento como, por exemplo, uma missa. Isso também contribui para que muitos fiéis tenham um sensação de paz e resignação naquele ambiente, o que pode ajuda-los a expressar sua fé e se sentirem mais confortáveis para praticar sua religião.
Esse pequeno exemplo nos permite compreender um pouco os métodos de ambas as áreas do conhecimento, mas como elas explicam o que ocorreu no caso das celas cor de rosa? A explicação é que, ao observar a cor rosa ocorre uma diminuição dos batimentos cardíacos, na pressão e na respiração dos detentos. Isso se explicaria pela associação um tanto quanto recente entre o rosa e a feminilidade. Segundo Eva Heller, de Psicologia das cores, as características gerais que são atribuídas ao rosa são tipicamente femininas — essa é uma construção muito recente mas não cabe ser discutida agora. A cor rosa simboliza a força dos fracos, como o charme, sentimentalismo e a amabilidade. Somasse a isso o fato de que Rosa também é o nome de uma flor, talvez a mais conhecida das flores, e inspirou diversos nomes femininos como Rosa, Rose, Rosaly, Rosana. Comumente, não associamos nomes masculinos que a flores e com essa associação entre o Rosa e o feminino, qualquer coisa que não fosse ‘‘masculina o suficiente’’ poderia ser associada ao rosa. Na década de 70, o rosa feminino se impôs internacionalmente, mesma época em que os experimentos começaram. Então você lembra que somente as cadeias masculinas foram pintadas dessa cor, e ter suas selas pintadas de rosa causou naqueles homens um constrangimento.
Parrott afirma que o constrangimento é a mais social de todas as emoções e que requer um reconhecimento das convenções sociais, assim como uma representação das crenças e avaliações dos outros. Em geral, segundo esse autor, as pessoas procuram evitar esse sentimento, pois a experiência emocional envolve uma sensação de inaptidão social ou imprudência, associada à surpresa. Para os militares que testaram a cor junto a Schauss, ver o rosa os lembrava do feminino e, para os prisioneiros, era como se sua própria masculinidade estivesse sendo contestada. Aquele lugar —penitenciária— onde eles usavam de violência para tentar estabelecer dominância e poder agora parecia zombar deles, não um castigo físico, mas um castigo moral e psicológico, à lá vigiar e punir. O constrangimento os desestimulou por um tempo, mas não para sempre, pois um estímulo sensorial como uma cor, não é forte o suficiente para manter seus efeitos a longo prazo. E em muitos casos ele pode ser mais um placebo do que realmente capaz de modular um comportamento. Ainda mais nesse contexto, pois mesmo que o piso e o teto estivesse coberto do mais chocante dos Pinks, eles ainda estavam numa cadeia, a relação entre eles não mudou, as violências ainda estavam ali e ainda podiam — e foram — perpetuadas. O que tanto a Neuroarquitetura quanto a Psicologia Ambiental nos mostram é que mudar somente um detalhe em um ambiente tóxico e/ou violento não é capaz de melhorá-lo.
A construção de ambientes saudáveis tem múltiplos fatores, desde sua planta até as dinâmicas sociais que serão reproduzidas ali. A Neuroarquitetura e a Psicologia Ambiental querem criar espaços que promovam o bem-estar, a saúde e a funcionalidade, levando em consideração as respostas neurais e emocionais ao ambiente. Elas nos dão base cientifica para provar que diferentes aspectos do ambiente afetam a saúde mental e o bem-estar das pessoas, como a poluição, o ruído, a iluminação e a qualidade do ar. Nos mostram como é importante entender como as atitudes e os valores das pessoas em relação ao meio ambiente e seus relacionamentos podem ser influenciados e como é possível promover a sustentabilidade por meio de mudanças de comportamento. Um ambiente saudável deve ser pensado e construído de forma coletiva e com responsabilidade, e se essas intervenções se não são bem pensadas e embasadas de maneira metódica e consciente, são no máximo um paliativo ou o que parecer se encaixar mais nesse caso, como um cosmético ineficiente.
Existem pessoas que acreditam que ambientes tóxicos se resolvem com pequenos gestos. Se você conhece casos assim, compartilhe comigo ficarei muito feliz em ler seu relato.
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Referências
Genschow, O., Noll, T., Wänke, M., & Gersbach, R. (2014). Does Baker-Miller pink reduce aggression in prison detention cells? A critical empirical examination. Psychology, Crime & Law, 21(5), 482–489. https://doi.org/10.1080/1068316x.2014.989172
Heller, E. (2009). A psicologia das cores: Como as cores afetam a emoção e a razão. Gustavo Gili.
Holmes, C. B., Wurtz, P. J., Waln, R. F., Dungan, D. S., & Joseph, C. A. (1984). Relationship between the luscher color test and the MMPI. Journal of Clinical Psychology, 40(1), 126–128. https://doi.org/10.1002/1097-4679(198401)40:1%3C126::aid-jclp2270400123%3E3.0.co;2-a
Melo, Rosane Gabriele C. de. (1991). Psicologia ambiental: uma nova abordagem da psicologia. Psicologia USP, 2(1-2), 85-103. Recuperado em 16 de junho de 2025, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51771991000100008&lng=pt&tlng=pt.
Luscher, M., & Scott, I. (1969). The Luscher Color Test. New York: Random House.
Parrott, E. G. (1996). Embarrassment. In A. S. Manstead & M. Hewstone (Eds.), The Blackwell encyclopedia of social psychology (pp.196-198). Oxford: Blackwell Publishers.
Schauss, A. (1985, January). (PDF) The Physiological Effect of Color on the Suppression of Human Aggression: Research on Baker-Miller Pink. ResearchGate. https://www.researchgate.net/publication/236843504_The_Physiological_Effect_of_Color_on_the_Suppression_of_Human_Aggression_Research_on_Baker-Miller_Pink
Späth (2011), "The psychological and physiological effect of "Cool Down Pink" on human behavior", in Verena M. Schindler & Stephan Cuber, AIC 2011 Midterm Meeting of the International Colour Association (AIC). Interaction of Colour & Light in the Arts and Sciences. Conference Proceedings, pp. 751-754.
Villarouco, V. (2021). Neuroarquitetura : a neurociência no ambiente construído. Rio Books.
Psicologia das cores é algo que aprendi tão pouco na faculdade. Quase nada na verdade, mas sempre me impressiona.
Parece algo coletivo, mas às vezes é tão pessoal. Lembro uma vez de ler em um livro que a cor marrom era a cor menos favorita de homens e mulheres. Marrom é a minha cor favorita, e eu simplesmente não consigo entender por qual motivo alguém não gosta. É tão confortável. Do mesmo jeito que azul é uma das cores favoritas de ambos os gêneros, e é uma cor que não me agrada muito (talvez só o azul marinho ou um azul acinzentado). É estranho pensar sobre isso.
Eu gostei da parte onde você cita as catedrais e seu estilo de construção. Isso é algo que aprendi bastante. Como dependendo da cultura e época, as construções tinham um objetivo, às vezes aproximar as pessoas de Deus (buscar uma construção mais humilde), outras indo em direção oposta fazendo o sentimento de inferioridade ser maior. Como se nós humanos tivéssemos em uma posição pequena diante da igreja. Tudo isso influencia quando entramos em um ambiente como esse. A parte psicológica disso eu não saberia explicar haha.
Mais uma vez um texto maravilhoso, parabéns!
Conteúdo incrível!
Me recomendaram sua newsletter justamente porque venho explorando temas parecidos com foco em arquitetura e, mais recentemente, em neuroarquitetura. É fascinante como o estudo do sistema nervoso nos ajuda a compreender o impacto dos espaços sobre nossas emoções, comportamentos e bem-estar.
Também vemos que nossas experiências e memórias moldam a forma como percebemos os lugares, criando conexões únicas com cada ambiente.
Parabéns pelo conteúdo tão completo e instigante! 👏🏻