O que nos faz infelizes
Pensamentos disfuncionais e comportamentos problemáticos. Diretamente da Terapia Cognitivo Comportamental conheça as Distorções Cognitivas
Já falei por aqui algumas vezes como somos facilmente enganados por nós mesmos. Somos muito reféns de nossa percepção, que infelizmente é muito falha. E isso não é necessariamente um problema, não é possível estar certo sempre, em um momento ou outro podemos estar errados. Mas e quando não é só um erro? O que acontece quando isso se torna um padrão? Se seguirmos o raciocínio de que nossa percepção é limitada e podemos interpretar acontecimentos de forma errônea mesmo sem termos consciência disso, compreendemos que esses erros de percepção podem se repetir até se tornarem a norma, ou seja, a única maneira que aquela pessoa conhece de agir nessa situação. E o mais interessante nesses casos é que, geralmente, essas respostas são perfeitamente lógicas para aquele indivíduo, porque ele acredita estar diante de um fato, não de uma interpretação. Essas são as distorções cognitivas e elas afetam nossos pensamentos, nossas emoções e nossos comportamentos e ao longo dos anos várias foram identificadas e nomeadas por psicólogos.
Personalização ‘‘é tudo culpa minha’’
A pessoa tende a se responsabilizar por tudo de ruim que acontece com ela e com terceiros. Não entenda mal, existem muitas pessoas que fogem das suas obrigações ou terceirizam seus compromissos. Mas nesse tipo de caso não é uma pessoa assumindo o que fez ou deixou de fazer. Não. Aqui ele está se culpando por tudo o que aconteceu, mesmo que não seja sua culpa. Ela se sente culpada por: decisões alheias, eventos que ela não pode controlar e condições de vida que ela não escolheu.
Um paciente se sentia culpado por ter se envolvido em um acidente de trânsito, mesmo que ele estivesse na faixa correta, no limite correto de velocidade, não estivesse usando celular. Então qual o motivo de estar se sentindo culpado?
Uma paciente está em um quadro de depressão a mais de 2 anos, ela se sente culpada pois “ele já deveria estar melhor e não ser fardo para sua família”.
Um paciente se sente responsável por não ter ajudado um familiar, com quem ele tinha uma boa relação, que estava passando um momentos difíceis, essa situação teve consequências trágicas. Ele não sabia de nada até ser tarde demais.
É muito prejudicial atribuir culpa para si, principalmente quando a responsabilidade não é totalmente sua. É comum que quem está nessa condição peça desculpas constantemente, nas mais diversas situações que vive, mesmo que nem faça sentido pedir desculpas nesse momento.
Catastrofização “Tudo que puder dar errado, vai dar errado”
Em algum momento essa pessoa ouvi sobre a lei de Murphy1 e decidiu internaliza-la e transforma-la em uma regra de vida. Mas uma coisa é acreditar que sempre que você muda de fila no supermercado, a fila que você deixou para trás vai andar mais rápido, ou, se você levar um guarda-chuva, não vai chover mas se você não levar, choverá como nunca. Outra coisa é esperar que por padrão TUDO dê errado na sua vida. É viver frequentemente esperando o pior de cada situação que você vive.
Um paciente que não consegue viajar de avião pois crê fielmente que o avião cairá quando for sua vez de viajar
Um paciente que não consegue levar projetos de vida adiante pois acredita que tudo o que fizer dará errado.
Uma pessoa que recebeu um diagnóstico de algum transtorno/doença e agora acredita que sua vida acabou e sua única resposta a isso é desistir. Não acredita que pode ser feliz em uma nova condição de vida. Não quer tentar o tratamento pois em sua palavras “vou morrer de qualquer forma”.
Um paciente que sempre acredita ou imagina que seu parceiro/parceira o está traindo ou vai abandona-lo(a). Mesmo que não aja razões para isso, está constantemente com um sentimento de desconfiança.
Geralmente são pessoas muita ansiosas, sempre prevendo o futuro de forma negativa, desconsiderando as outras probabilidades de resultado, apresentando altos graus de nervosismo. Também podem ser cronicamente pessimistas, nunca estando dispostos a tomar decisões e atitudes.
Autocobrança “tenho que… deveria…”
A pessoa é totalmente inflexível sobre o que como deveria estar se comportando ou sentindo. Vive se cobrando acerca de suas atitudes, pois acredita que exista um jeito “certo” de pensar, sentir e agir.
Uma paciente se sente culpada por não querer ter filhos. Ela está em um relacionamento estável e saudável, mas não quer ter filhos e acredita que tem algo errado com ela, já que, em suas palavras, é uma coisa que toda mulher quer.
Uma paciente teve um burnout e está se cobrando por estar exausta, pois ela deveria dar conta de sua jornada tripla.
Um paciente afirma que tem que “fazer as coisas do seu jeito” pois foi criado assim.
Essa autocobrança é tão desmedida que até mesmo coisas que julgamos como positivas podem ser desvirtuadas. Não se trata apenas da ação, mas do sentimento envolvido, se torna uma obrigação e não algo prazeroso.
‘‘eu tenho que dormir agora, não serei produtivo por causa do [insira aqui qualquer coisa que um coach de alta performance falaria sobre qualidade do sono] e não terei meu alto rendimento’’.
Isso é muito comum entre pessoas com uma baixa autoestima, pois tentam compensá-la por meio de seu esforço e isso não é necessariamente ruim, mas pode levar a desenvolver expectativas irreais e intolerância à frustração.
Maximização e minimização ‘‘acertei mas pena que foi sorte’’
Ela nunca merece nada que não seja um dedo na cara. Tende a minimizar suas conquistas ou aspectos positivos e maximizar os erros e as coisas negativas que acontecem.
‘‘Só passei porque tive sorte’’.
‘‘Eu estava no lugar certo na hora certa’’.
‘‘Consegui mas só por causa de fulano’’.
‘‘ Isso não foi nada, sabe essa outra coisa que não tem nada haver com esse contexto? sou muito ruim nisso’’.
‘‘deu certo mas se [evento A],[evento B], [evento C] não tivessem acontecido não teria dado certo’’.
De novo, isso não é algo necessariamente ruim. É importante reconhecer quando temos ajuda ou quando temos sorte. Contudo, isso pode acabar se desenvolvendo em uma baixa autoestima e uma baixa auto eficácia, fazendo com que essa pessoa comece a duvidar sempre de suas capacidades, sentindo que precisa sempre ajuda de terceiros para realizar suas atividades ou ações. São pessoas que dão grande importância às suas falhas e as consideram de sua total responsabilidade, enquanto as realizações são desconsideradas e tratadas como obra da sorte ou fruto da ajuda de outros. Dessa maneira, não importa se fez algo várias vezes certo no passado, um único erro irá definir sua capacidade de ter sucesso.
Filtro Mental “vai acontecer de novo”
Ocorre quando a pessoa acredita que se algo aconteceu uma vez, acontecerá novamente, do mesmo jeito, para sempre.
Uma vez aluno se saiu bem na prova mesmo sem ter estudado, depois disso ele gradativamente foi deixando de se preparar previamente, até teve resultados positivos, mas hoje sente que não consegue se esforçar mesmo que sua situação esteja ruim.
Uma paciente conta que estava tão ansiosa em sua entrevista de emprego que se saiu mal, passou a acreditar que não conseguiria ser contratado pois sempre iria ficar ansiosa e cometer erros
O paciente é um residente de medicina, acabou cometendo um erro que custou a vida de um paciente, por isso começou a duvidar de sua capacidade e acredita que não conseguirá seguir sua carreira.
Sim, essa percepção tende ao negativo, a pessoa foca nos acontecimentos ruins e ignora o que existe de positivo. Não raro esse pensamento disfuncional pode ser acompanhando da catastrofização e generalização.
Rotulagem “eu sou assim mesmo’’
Tendencia de atribuir um valor negativo para si. Muito comum como um resultado de visões precipitadas e, geralmente erradas, sobre o eu. Assim focamos na atitude e no resultado dela para definir a nós mesmos e na maioria das vezes de forma pejorativa.
Para a paciente nunca é um erro pontual, tudo é uma falha que a expõe como uma farsa
“eu sou um inútil e nunca vou conseguir nada na vida’’.
Pode ser sinal de baixa tolerância a frustrações, expectativas desmedidas e baixa autoestima.
Pensamento dicotômico “é oito ou oitenta”
Desconhece a moderação. É extremamente inflexível, tende a classificar as coisas como extremos opostos, certo ou errado, bem ou mal, verdadeiro ou falso. Acredita em algo mesmo se tiver informações ou fatos dissonantes.
A paciente diz que se ela se esforça para algo e não atinge o que considera como perfeição, ela entende que o esforço não valeu para nada.
O paciente não quer se relacionar novamente pois não acredita que terá um relacionamento tão bom quanto seu antigo.
O paciente está em crise pois se não conseguir o emprego que se esforçou tanto irá em suas palavras “desistir de tudo” para ele não há outra opção além dessa.
Não existem condições alternativas a serem consideradas, apenas duas possibilidades para concluir qualquer situação.
Leitura da mente “eu sei exatamente o que ela tava pensando”
Sem qualquer dado concreto ou evidência, a pessoa infere o que alguém pensa ou sente a respeito dela. Isso guia sua interpretação sobre acontecimentos, reações e atitudes alheias.
“ela odiou a minha ideia, vi nos olhos dela”
“ele não foi com minha cara, só de olhar para ele dá pra saber”
‘‘O que ele quer é me deixar nervoso!’’
É comum que essas pessoas fiquem remoendo e confabulando deduções sobre o que os outros devem pensar ou falar mal dela e de suas condutas, geralmente a uma necessidade de aprovação por trás desse tipo de pensamento.
Raciocínio emocional “é assim porque me sinto assim”
Nesse caso emoções são razões. Nesse pensamento distorcido, as emoções refletem as coisas como elas são, ou seja, a pessoa acredita que o que ela sente é puramente racional e fidedigno com a realidade.
Um paciente em quadro de depressão sente que nunca mais conseguirá se sentir feliz outra vez
Um paciente tem baixa autoestima e por isso acredita que ninguém gosta dele e ele é péssimo em qualquer coisa que quiser fazer, apenas porque se sente dessa forma.
Uma paciente se sente nervosa ao falar em público, por causa disso ela acredita que ninguém está gostando de sua palestra.
Um paciente não acredita que fez algo errado ao abandonar seus filhos ainda pequenos, pois ele não se sentia pronto para ser pai.
Pessoas com esses pensamentos podem ser extremamente críticos e até cruéis consigo mesmos, mas também podem usar seus sentimentos como validação para abandonar responsabilidades ou favorecer e validar violências e agressividade contra outras pessoas.
Atribuição de culpa “Se não fosse por…”
Esse é o oposto da personalização. A pessoa busca culpados em tudo e em todos, sempre fugindo de considerar suas próprias falhas. Sempre eleva as responsabilidades alheias e minimiza as próprias.
“As coisas dão errado para mim, porque tem muita gente torcendo contra”.
“Se não fosse por eles eu seria mais feliz’’.
“Não consigo por causa disso”.
É possível fazer uma diferenciação entre quem realmente tem culpa e quem apenas se esquiva de responsabilidades pois, aqueles não aceitam o peso de suas ações, nunca tentam mudar às tais circunstancias as quais são vitimas. Essa tende a ser uma estratégia para proteger a própria auto estima.
Comparações injustas “eles podem e eu não”
A pessoa se sente infeliz ao se comparar com outras pessoas. A equiparação sempre tende a ser desmedida de descontextualizada e negligência as próprias conquistas e qualidades.
“Ela conseguiu e eu não”.
“Ele pode mas nunca consegui”
“Eu nunca tive mas ela sempre teve”
“Ele é o que eu nunca consegui ser”
Isso potencializa os sentimentos de inferioridade e inadequação, podendo levar a pessoa a ser injusta consigo mesma e com os outros ao seu redor. Esses sentimentos podem fazer a pessoa tomar decisões precipitadas e mal direcionadas.
Generalização “Tudo é sempre assim”
Trata-se de transformar um caso específico em uma regra para a vida. O que aconteceu em um caso vai acontecer com todos os outros, independente do nível de diferença e contexto. Generalização muitas vezes é fruto de outras distorções e é muito difícil de ser trabalhada pois ela se sedimenta como uma resposta, supostamente, racional ao Filtro Mental e a Catastrofização.
A paciente acredita que nunca conseguirá parar de fumar pois tentou outras vezes e nunca conseguiu “terminar” nada na vida.
A pessoa teve péssimas relações amorosas e por isso acredita que ninguém “presta” para um relacionamento.
O paciente tem dificuldades de convivência com pessoas que tiverem criações diferentes da sua, para ele é complicado fazer concessões. E quem discordar dele é claramente uma pessoa desvairada.
Pode estar associada com a baixa flexibilidade cognitiva.
Concluindo
Se você identificou com algumas dessas distorções cognitivas tenho algo a te dizer
Elas são comuns a todas as pessoas; se encaixar em alguns desses critérios não significa que você tenha algum problema psicológico. Eles só são de fato um problema quando afetam diretamente a sua vida, nesses casos busque ajuda profissional.
Não é signo; não use isso para se diagnosticar a si ou outras pessoas.
Se algum deles de fato é um problema para você, ter consciência disso não resolve seu problema; na terapia cognitivo comportamental existem uma série de técnicas que são aplicadas para ajudar quem sofre com isso, apenas saber que sobre eles não te ajudará a lidar com eles — essas distorções são apenas pontas do iceberg— nesses casos busque ajuda profissional.
As distorções cognitivas explicam uma série de comportamentos e emoções que nos afligem. Ela nos diz que algumas vezes nos autossabotamos e somos a razão para nossa própria infelicidade.
Referências
Beck, J. S. (2021). Terapia cognitivo-comportamental (3rd ed.). Artmed Editora.
Greenberger, D., Padesky, C. A., & Caleffi, A. (1999). A mente vencendo o humor : mude como você se sente, mudando o modo como você pensa. Editora Artes Médicas Sul.
É um comentário atribuído ao engenheiro aeroespacial Edward Murphy, que, durante um experimento, formulou a frase ‘‘se algo pode dar errado, dará errado’’ como uma observação sobre a propensão à falha em sistemas complexos.
A Lei de Murphy virou uma coisa na minha vida. Toda vez que saio se casa penso em tudo que pode acontecer de ruim. Na minha mochila tenho água, comida, dois celulares, blusa, guarda-chuva, estilete, pinça, álcool 70, lenços, etc. Tudo isso para me preparar para o que pode ocorrer no dia. Isso pode ser uma coisa boa (estar preparado), mas no fundo esconde um belo de um pessimismo mesmo 👀